As mais recentes intervenções de conservação e restauro no Palácio Nacional da Pena trouxeram à luz detalhes até agora ocultos. Durante os trabalhos, foi recuperada a pintura decorativa original da Segunda Sala de Passagem — o ambiente idealizado por D. Fernando II, responsável pela construção do palácio, e posteriormente encoberto por obras do século XX.
Hoje, os visitantes podem admirar uma sala envolta em tons de azul, realçados por molduras ocres e por uma decoração de inspiração oriental, possivelmente influenciada por motivos chineses. Nas paredes surgem florões delicados, enquanto o teto exibe uma treliça pintada em semi-trompe l’oeil.
O conjunto ganha ainda mais vida com o mobiliário e os objetos escolhidos pelo monarca, que regressaram ao espaço após a revisão da museografia.

Uma descoberta inesperada
A recuperação da Primeira e da Segunda Salas de Passagem — localizadas entre o antigo mosteiro quinhentista, convertido em espaço privado, e o Palácio Novo, destinado a receber convidados — foi antecedida por uma investigação exaustiva. Fotografias de inícios do século XX já indicavam a possibilidade de existir uma pintura decorativa anterior, mas a confirmação só surgiu após sondagens realizadas pelas equipas de conservadores-restauradores.
Esses estudos revelaram não apenas a existência das pinturas originais nas paredes, mas também um achado surpreendente: o revestimento decorativo do teto, até agora sem qualquer registo conhecido. Graças à metodologia aplicada pela Parques de Sintra — assente em técnicas de documentação e conservação rigorosas — tornou-se possível recuperar integralmente este património.
O processo foi minucioso e exigente. Para preservar os vestígios originais, a remoção das camadas posteriores foi realizada manualmente, com ferramentas de pequena dimensão e técnicas especialmente adaptadas ao espaço. O trabalho prolongou-se por cerca de um ano e envolveu uma equipa multidisciplinar de conservadores, arquitetos e engenheiros.

Arte e exotismo no coração do palácio
Datada provavelmente da década de 1860, a pintura da Segunda Sala de Passagem terá sido executada por artistas ligados à firma Barbosa e Costa, responsável também por outras obras decorativas no palácio. A qualidade artística é notável: medalhões vegetalistas, em gradações subtis de cor, evocam tecidos luxuosos usados em revestimentos murais na época.
Com o restauro, as duas salas voltam a refletir o contraste estético pensado por D. Fernando II. A Primeira, em tons ocres e luminosa, remete para o revivalismo neogótico; a Segunda, mais sombria e azulada, mergulha no exotismo. Este jogo de claro-escuro, típico do Romantismo, cria um impacto sensorial que era, e continua a ser, uma marca distintiva do palácio.

Reconstituição histórica
Paralelamente ao restauro, a Parques de Sintra desenvolveu um estudo detalhado de inventários, correspondência e coleções do Palácio da Pena, bem como de outros palácios nacionais. O objetivo foi restituir a função original destas salas enquanto pequenas galerias de arte e espaços de representação.
O trabalho permitiu identificar e reintegrar peças de mobiliário, cerâmica, vidro e escultura que pertenceram à Família Real. Foram também adquiridas obras de arte que integraram a coleção de D. Fernando II, como Um pobre cego (do natural), de Francisco Pinto da Costa, Lavadeira, de Francisco de Resende, e naturezas-mortas de Gaspar Peeter II Verbruggen.
Na Primeira Sala regressaram móveis portugueses escolhidos pelo Rei-Artista, como um contador, uma arca e um armário neogótico, além de peças de cerâmica europeia. Já a Segunda Sala recupera o exotismo pretendido por D. Fernando II, com arcas indianas, esculturas chinesas e um raro perfumador de grés negro. Para completar a reconstituição, foram introduzidas cortinas de renda produzidas em tear histórico, em consonância com os inventários da época.

Uma nova experiência de visita
A recuperação das Salas de Passagem integra a estratégia global da Parques de Sintra para a preservação do Palácio Nacional da Pena. O objetivo é garantir a autenticidade histórica e, ao mesmo tempo, enriquecer a experiência de quem visita este monumento único.
De forma faseada, os trabalhos de conservação e restauro vão estender-se a outros espaços do piso nobre, consolidando a reconstituição dos ambientes vividos pela Família Real no século XIX.
A investigação contínua, apoiada em fontes documentais e iconográficas, assegura que cada sala devolvida ao público conta, com rigor e beleza, um fragmento da história do palácio e da memória cultural portuguesa.
Fotografia: PSML / José Marques Silva









